O meu dinheiro vale mais do que o teu
Está aberto o generation gap que divide quem vende e quem compra. De que lado estão vocês?
Parece um daqueles títulos em formato clickbait, não é?
E parece igualmente uma forma um pouco intensa (para não usar outra expressão) de começar esta minha crónica de quarta-feira. Mas não se preocupem, que já o troco por miúdos, mesmo sabendo que será um assunto inevitavelmente quente: esta é uma batalha geracional, como as tivemos com os nossos pais, e eles com os seus. E são vocês os interlocutores que estão do outro lado: os millennials. De acordo com o Merriam-Webster, esta definição é aplicada às pessoas nascidas na década de 80, até aos anos 2000, e tem outros tantos sinónimos, sendo este o nome mais comum.
E porque é assunto de crónica? Porque este é o grupo demográfico dos nossos noivos, dos nossos clientes actuais, e tem umas especificidades, comportamentais e de consumo que são incrivelmente desafiantes: é recorrente o seu debate, entre fornecedores, e por isso tão importante falarmos sobre isto.
Num artigo do Jornal Económico, do início do ano, a consultora Eduarda Carvalho escrevia o seguinte:
“A geração Millennial nasceu entre 1980 e 1996, quer tudo sem pagar nada, exige alta qualidade mas vive em mutação constante, e o que gosta hoje pode não gostar amanhã.
Para os Millennials, o importante está na experiência, mais do que no ter, mas também no ser. Esta é uma geração que quer ‘bom e barato’, assim como ecológico e socialmente responsável. Uma marca que não o seja pode perder neste segmento muitos adeptos. (…) Como é óbvio, tudo isto tem de estar disponível online. Não esqueçamos que esta é uma geração de nativos digitais que cresceram com teclados. São filhos da globalização.
(…)
São mais empreendedores do que os seus antecessores e muito mais racionais a consumir. Mas também são menos fiéis.”
E daqui sigo para os os pontos-chave deste exercício de hoje: consumo racional (muito mais ponderado e cerebral, por oposição a impetuoso e por impulso) e qualidade a preço baixo (algo que não existe).
O primeiro ponto tem impacto directo no negócio, tal como sempre o conhecemos. A forma como se consome hoje em dia, e que não é exclusiva da geração millennial, porque a grande crise dos últimos anos teve esse efeito, é bem mais frugal e pensada. Se voltámos a um certo nível de conforto financeiro que já usufruímos noutros tempos, não gastamos da mesma forma leve e pouco pensada. Discutimos preço, queremos saber em detalhe de que é feita a soma e compreender os números. E o mercado de casamento em Portugal tem sentido isso, os fornecedores têm sentido isso. Não é que os orçamentos disponíveis tenham encolhido, a forma como o dinheiro é investido e a importância que cada elemento e parcela têm, na grande ordem das coisas, é que mudou. Todos teremos de nos ajustar e mudar também.
Sem grandes queixas, de forma consciente e estratégica, e o negócio continuará a acontecer, a crescer e a ser saudável. Se o cenário muda, só temos que mudar com ele, se queremos seguir viagem.
O segundo ponto é um problema, sério, porque é um reflexo disto: o meu dinheiro é mais importante (e valioso) que o teu. O que eu quero vale X (e eu próprio valho esse X), mas o que me estás a vender não pode custar mais do que Z (porque o teu tempo, esforço, conhecimento, experiência não podem custar mais do que Z, e eu nem quero gastar verdadeiramente Z).
Vi isto escrito por um fotógrafo que se indignava publicamente nas redes sociais, que não lhe pedissem para baixar o preço da sua arte, que era o seu talento e o seu ganha-pão… e uns dias mais tarde, o mesmo fotógrafo perguntava, no mesmo sítio e da mesma forma indignada, quem lhe recomendava um guia turístico (especializado) para um passeio longo e dedicado, porque o valor que lhe fora apresentado era — na sua opinião — um escândalo (80 euros).
Esta percepção duplo-padrão, do meu e do teu, é uma questão complicada destes tempos modernos, e é muito pouco justa.
Encosta a experiência, o conhecimento e a reputação a um canto, descarta-os como pormenores sem importância e dá espaço ao bullying cliente-fornecedor, à pressão para baixar o preço sem mexer no serviço. Porque eu não quero pagar mais. Ponto.
Quando esta discussão não tem argumentos do outro lado que sustentem a sua posição, não é possível um encontro de vontades, é apenas desigual e não é caminho para coisa nenhuma.
E na realidade, uma parte da culpa é mesmo nossa, dos prestadores de serviço, dos profissionais do mercado, que verbalizamos para a audiência que os nossos noivos são uns queridos, são nossos amigos, são os melhores do mundo, são família, uma simpatia (raramente os tratamos pelo que realmente são: clientes).
Ora, isto não é, genericamente, verdade. E nós só vendemos um serviço, nada mais. Não estamos a salvar o mundo.
Ao darmos espaço de manobra para esse bullying se instalar, continuamos a baixar a fasquia, a oferecer mais e mais numa tentativa ingénua de agradar o cliente, e não o pomos na ordem quando a situação o exige. Começou a faltar-nos distanciamento na relação cliente/fornecedor, partimos logo para o “tu”, para a proximidade e isso tem consequências sérias, mesmo que aparentemente invisíveis. Estamos a passar a mensagem errada e há-que reflectir sobre isso e agir, se queremos que alguma coisa mude.
É bom que haja um espaço de formalidade que salvaguarda um pouco o lado de cá (e o lado de lá, que todas as relações saudáveis são bi-direccionais!).
Alimentar uma conversa/negociação que antevemos ser pouco frutuosa, é desgastante, custa tempo e disponibilidade. Saber dizer não e perder, é uma aprendizagem valiosa. Cada cliente com este perfil de bully que se perde, traz um ganho de tempo que pode ser alocado à actualização do portefólio, a pôr a contabilidade em dia, a ver as novidades da estação, a preparar conteúdos para divulgação, a pensar. Não é pouca coisa, pois não?
Isto não faz de nós pessoas brutas ou com má vontade. Somos profissionais. E só temos que o ser, verdadeiramente: porque dentro dessa definição estão naturalmente incluídos conceitos de cordialidade, educação, boas práticas, boas maneiras, etc..
Afinal, o nosso dinheiro vale todo a mesma coisa (e é só dinheiro, não é alma ou algo superior): o meu, o teu e o nosso.
(Este post foi publicado originalmente no site Simplesmente Branco, em Novembro de 2017.)