O mercado
Comecemos pelo princípio: 2021 segue assertivo e com despacho, já na recta final do seu terceiro trimestre. Se 2020 foi difícil pelo choque e travão a fundo, 2021, do meu ponto de vista, foi impossível no seu desconcerto e imprevisibilidade.
Nunca uma temporada me pareceu tão desconjuntada e lassa, sem rede, sem foco, sem setas que apontassem para qualquer destino um pouco mais claro. Em Julho desisti de tentar concretizar planos e ideias que se arrastavam em asso peganhento desde o início do ano (larguei também a angústia e culpa que isso me causava), abracei o calor (e o Bruno Nogueira, com o seu sábio “agora mete-se o verão…”), e em Agosto fui a banhos. Setembro já cá está, quase a meio, na sua indecisão de verão/outono, a pedir a atenção e entusiasmo que lhe são devidos. Assim será!
A importância de desligarmos a cabeça do assunto de todos os dias é, acima de tudo, ganharmos distância e perspectiva. De uma visão micro e um pouco cega, abrimos o horizonte macro, mais relaxado e disponível para que padrões emerjam (e nós os vejamos), os detalhes ganhem presença e clareza, e todos os pontos se liguem num raciocínio que somos agora capazes de interpretar.
Ora, na calma das férias, entre mergulhos, banhos de sol e literatura, encontro a disponibilidade para um olhar mais atento e reflexivo, para pensar mais a fundo e desenhar conclusões.
Não serão exactamente factos no sentido mais rigoroso da palavra. Ao passarem pela minha análise, as observações e impressões deixam de ser isentas e desligadas da minha experiência, mas se as abordo de uma perspectiva crítica, ponho a clareza como objectivo principal, para que outros possam também seguir com a sua própria avaliação.
E assim chegamos à questão inicial: o mercado… Qual mercado?
Na última década batalhei, bem acompanhada, pela definição de um espaço mais profissionalizado, mais equilibrado em termos de proposta de valor, mais qualitativo, mais conectado, mais transparente. Posso afirmar, com uma leveza indubitável, que esta década foi muito diferente da anterior.
Galgaram-se os anos de estagnação e falta de inovação e, juntamente com muitos outros factores externos, este espaço de actuação, ainda que muito imperfeito, floresceu, tornou-se interessante e bastante dinâmico, cativou muito sangue novo e desafiou, de forma positiva, os mais velhos.
Da velocidade de cruzeiro, o Covid obrigou-nos ao prego a fundo com o óbvio trambolhão. Depois de nos pormos de pé, sacudido o pó e varridos os cacos, dividimo-nos em dois grupos. Os que continuam a operar nas suas actividades e os que as largaram, de forma temporária ou definitiva.
Neste ano e meio que passou, compactámos duas saisons de casamento.
Do frenesim inicial e desconcertado dos zooms de Abril e Maio, passando por algumas iniciativas de valor mas inconclusivas esta primavera, carregámos no mute assim que o ano profissional se começou a desenhar.
Não voltámos a falar sobre o assunto. Nem para fora, nem para dentro, nem com ninguém. E se nunca fomos verdadeiramente uma rede (embora quase…), estamos agora mais desconectados do que nunca. Retomámos a actividade, de forma mais ou menos visível, uns discretamente, outros com entusiasmo, uns com muito, outros com medo, muito business as usual, muito “não se passou/passa nada”.
Diria que é natural que na angústia dos dias futuros, o instinto nos faça recolher e, acima de tudo, o objectivo é sobreviver e atravessar a borrasca, as conversas, meus amigos, ficam para depois… Mas se não é na aflição que nos agregamos e apoiamos, que falamos com franqueza e alguma vulnerabilidade, então parece-me que não será nunca.
Esta pandemia teve um perfil muito democrático — varreu-nos a todos.
As dores, os problemas, as angústias, as dificuldades, as questões, foram comuns. As formas de operar, resolver, recomeçar, foram também, a traços largos, comuns. Ainda assim, às avessas do lema sportinguista “onde vai um, vão todos”, fechámo-nos ainda mais na nossa concha, no nosso estúdio, na nossa cabeça.
Acompanhei de perto três casos interessantes e mais visíveis: em Espanha nasceu a APBE, a associação de profissionais de bodas; em Inglaterra o #whataboutweddings (um movimento colectivo de fornecedores que partiu do blog Love my Dress), pressionou o governo para o reconhecimento do valor do sector e navegou os noivos pela tempestade; nos Estados Unidos, a consultora especialista Liene Stevens respondeu, de forma pública, aberta, gratuita e continuada, a questões complexas sobre gestão de cliente e resolução de contratos, cada uma espelhando dezenas de histórias reais. Em comum, o imenso e contínuo diálogo entre pares, a preocupação com o seu negócio e o do outro, a partilha de experiência e conhecimento, porque nos números e nas palavras encontramos força e razão para prosseguir.
Por cá, numa fase inicial, existiram movimentações de alguns colectivos, mas sem a força de uma voz só — porque não a temos.
Continuamos a ter interesses e visões diferentes daquilo que queremos e, sobretudo, do que queremos para nós, de forma individual; não é importante ou determinante (para mim, para o meu sucesso, para o meu negócio) o que o meu parceiro quer (e ele pensará o mesmo).
Quando estamos juntos, em eventos, conferências, actividades de networking, estamos mais empenhados em falar de nós do que em ouvir e descobrir o outro, as suas forças e fraquezas, o seu caminho, as suas ideias e até o seu negócio.
Há um desinteresse neste valor incrível, não o reconhecemos como uma experiência de conhecimento nem como um asset de futuro. Há exigência nesta relação, dá trabalho a manter, a cuidar, a usufruir, porque para recebermos, também temos de dar, com a mesma intensidade e proporção. Mas quando a encaramos assim, com esta naturalidade, há uma leveza fantástica que se instala — podemos falar de tudo, de forma frontal e transparente, com frutos para colher. Somos concorrentes porque competimos pelo mesmo cliente, mas somos parceiros porque temos objectivos comuns.
Neste momento, na minha opinião, não há qualquer assomo de um mercado. O que se desenhou nesta década não teve a robustez necessária para sobreviver ao impacto económico e social da pandemia. De estratégias e ideias comuns (não chegámos à dita voz uníssona, ainda que estivéssemos lá perto) regredimos para posicionamentos individuais, sobreviventes, desligados.
Mas não faz mal, o tempo apontará para onde queremos seguir, a solo ou com companhia, de costas voltadas ou virados para o mesmo lado. Quem sobreviveu a isto, sobreviverá a tudo, quem quiser começar, terá sempre espaço.
A questão relevante aqui é sermos claros, para o cliente, para os parceiros, para nós próprios. Não está na natureza da nossa actividade sermos um colectivo — esta é que é a grande verdade. E se, pessoalmente, eu vejo nisto uma imensa perda de valor, esforço, talento e oportunidade, wishful thinking projectado sobre os outros não é suficiente para fazer acontecer.
It takes a village…
Eu sei o que quero para mim, e sei o que quero para nós. O entendimento que o “nós” contabiliza-se com +1 (e não todos), é a diferença da minha perspectiva para estes novos tempos. Ouvir, escutar, pensar, reflectir, responder, propor, instigar, desafiar, inquirir, serão sempre os meus verbos e vontades. A riqueza que paira neste diálogo não é possível dentro da minha cabeça sozinha, e por isso mesmo, procuro o meu colectivo — é isso que eu quero para mim.
Por outro lado, no silêncio da sua cabeça, alguém encontra a ordem e estrutura que precisa, sem distracções ou contraditórios que o façam questionar o caminho e as decisões — ainda que solitário, é o que quer para si.
Somos o que somos, abracemos então com franqueza e de forma clara a natureza que nos caracteriza. Esse também pode ser o caminho para o futuro.